quinta-feira, 17 de março de 2022

Pesquisa aponta que 75% da população de Santarém está contaminada por mercúrio do garimpo

O estudo foi realizado pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Fiocruz e o WWF entre 2015 e 2019.

Barcos no Porto de Santarém


O consumo de pescados contaminados pelos garimpos ilegais, do alto e médio rio Tapajós, é apontado como origem da presença de altos índices de mercúrio no sangue da população de cerca de 306 mil habitantes do município de Santarém, no Pará. É o que revela o artigo publicado em 28 de fevereiro no International Journal of Environmental Research and Public Health.

O estudo, realizado pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Fiocruz e o WWF, coletou o sangue de 462 pessoas entre 2015 e 2019 e concluiu que todos os participantes da pesquisa apresentam níveis elevados de mercúrio no sangue, sendo que 75,6% deles apresentaram concentrações do metal acima do limite de 10 μg/L (microgramas por litro) recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A média da concentração na população santarena é quase quatro vezes superior ao limite seguro da OMS.

A estudante de nutrição Larissa Neves, moradora da cidade, se surpreendeu com a pesquisa. “Eu sabia que a água estava contaminada, porque sempre que me banho no Tapajós fico com coceira no corpo, mas eu não tinha me tocado da contaminação dos peixes”, afirma. 

A estudante trabalha com a venda de marmitas e afirma que seria difícil reduzir o consumo praticamente diário de peixes. “Todo domingo na minha casa é sagrado peixe assado, porque meu pai pesca, leva peixe para casa e a gente prepara nas marmitas pelo menos outras duas vezes por semana, não tem como eu deixar de comer”, pondera.

"Todo domingo na minha casa é sagrado peixe assado, porque meu pai pesca, leva peixe para casa", disse Larissa Neves, estudante de nutrição.

Mercado do Peixe na orla de Santarém-PA/Foto: Julia Dolce


Dos participantes do estudo, 203 são moradores da área urbana de Santarém e 259 vivem em oito comunidades ribeirinhas do município paraense, sete delas localizadas nas margens do rio Tapajós e uma nas margens do rio Amazonas. Entre a população ribeirinha, a alta exposição de mercúrio, usado na separação de ouro pelos garimpos ilegais, chega a mais de 90%.

Outros estudos já tinham apontado a contaminação por mercúrio de populações que vivem às margens do Tapajós, como o povo indígena Munduruku, que nos últimos anos vêm travando uma crescente disputa contra garimpos clandestinos em seu território. Agora, a pesquisa Mercury Contamination: A Growing Threat to Riverine and Urban Communities in the Brazilian Amazon (em livre tradução, Contaminação por mercúrio: uma ameaça crescente para comunidades ribeirinhas e urbanas na Amazônia brasileira), apresenta dados da contaminação que atinge também a população no centro urbano, a mais de 300km da região onde há concentração de garimpos.

A investigação conclui que 57,1% dos participantes moradores da área urbana de Santarém apresentam taxas de mercúrio no sangue acima do considerado seguro pela OMS, e que a exposição ao mercúrio não se restringe às áreas dos garimpos, “mas pode ocorrer em grande parte da bacia hidrográfica que é bastante impactada pela atividade garimpeira”. 

Vendedor limpa o peixe antes da venda/Foto: Julia Dolce


Participantes da pesquisa que declararam consumo diário de pescados apresentaram maiores taxas de mercúrio no sangue. Os dados indicam que este hábito alimentar  está relacionado a diferentes marcadores sociais, como local de residência e escolaridade. O maior nível de mercúrio foi detectado no grupo de analfabetos (45,8 a 50,9 μg/L) e o menor entre os  com ensino superior (17,3 a 31,6 μg/L).

Segundo o artigo, a dependência dos pescados e falta de acesso a outras variedades de proteína, acentuada pela crise econômica e social desencadeada pela pandemia, além da preferência cultural por esse consumo, é um fator de maior vulnerabilidade para a contaminação. 


Fonte: Infoamazonia

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